Voz e Emoção: Impactos na voz de uma cantora




BOLETIM DO CEV

CEV NEWS - ANO 2:23, 2011

Voz e Emoção: Impactos na voz de uma cantora



Luciana, cantora profissional, havia me procurado meses atrás com queixas vocais que evoluíram progressivamente, após a morte do irmão. Apesar de ter relatado problemas na voz falada, que se apresentava discretamente soprosa, sua maior queixa era relacionada à voz cantada. Havia perdido completamente o controle dela. Cantar, que outrora era simples e prazeroso, era agora uma tarefa quase dolorida. Antes de me procurar, passou por um otorrinolaringologista que não encontrou alterações importantes, relacionando suas queixas a questões de ordem emocional. Ao avaliá-la, observei voz falada apresentando leve soprosidade. O canto estava bastante prejudicado, apesar do timbre agradável, apresentando dificuldades em toda a extensão. O registro de peito era comprimido e os agudos fracos e tensos. Extensão e tessitura estavam diminuídas, já que a produção da voz com alguma qualidade se resumia a menos de uma oitava. A afinação, frente a essas dificuldades estava bastante imprecisa, com tendência a baixar. Na passagem de um registro para o outro (principalmente em melodias descendentes) apresentava uma importante quebra involuntária, que segundo ela, não acontecia anteriormente em seu canto. Sua expressão facial durante estes momentos dava a impressão de que ela sentia muito desconforto e dor, o que efetivamente não acontecia. Durante três meses trabalhei suas dificuldades que, apesar de terem diminuído bastante, não desapareceram. Relaxamento, massagem laríngea, tubo finlandês, um exaustivo trabalho de liberação do fluxo aéreo, fraseado e dinâmica. No final de cada sessão sempre estava muito melhor, mas na sessão seguinte começávamos de novo, não do zero, mas do “3”.
Na sessão desta semana, depois de ter chorado muito no dia anterior, sua voz estava completamente balanceada, sem quebras do fluxo aéreo e sem quebras de registros durante a execução da canção. O registro de peito estava fácil e livre, assim como o de cabeça. Assim como eu, ela se surpreendeu com “a volta” repentina de suas habilidades no canto.
Não pude deixar de refletir sobre o caso. Desde o início vi o sofrimento de Luciana, tanto que a encaminhei para psicoterapia. Ela procurou e vem sendo acompanhada desde então. Luciana havia deixado de dizer muitas coisas, tinha literalmente algo “entalado” em sua garganta. Era nítido o sofrimento vocal quando passava da voz de cabeça para a de peito. Neste momento o trato vocal parecia “trancar-se”. Como já escrevi outras vezes, observo nestes anos todos de trabalho com cantores, a intrínseca relação do registro de peito com a expressão, com o dizer. Vejo o TA como o músculo “do verbo”, do falar, do gritar, do chamar. Na Luciana, ele parecia estar impedido de agir livremente. Não sei como ela retornará na próxima sessão, mas ambas sabemos que seu instrumento é perfeito. Tão perfeito que não conseguiu ser refratário à vida.
Estamos juntas nesta batalha, que tenho certeza, Luciana vencerá.
Beth Amin
Professora do CEV