Boletim do CEV: Cantor: Músico ou ator?


BOLETIM DO CEV: Cantor: Músico ou Ator?
CEV NEWS - ANO 2:2, 2011


Escrito pela Profa. Beth Amin

Desde pequena ouço minha mãe dizer que aprendi a cantar antes de aprender a falar. Diz que eu aos nove meses de idade, já entoava as melodias das canções que ela cantava para mim, perfeitamente, da capo al fine.

Até começar a trabalhar com cantores, acreditei fielmente que era possuidora de um talento artístico/musical fora do comum (por favor, tentem perdoar minha vaidade de artista). Mais tarde descobri que assim como muitos outros cantores que conheço, tenho minha atenção mais voltada aos aspectos musicais de uma canção do que ao texto que ela veicula.

Na minha prática, venho observando ao longo dos anos, a existência de "tipos" diferentes de cantores. Não me refiro ao estilo musical, ao repertório, à técnica vocal que aplicam ao seu canto ou à forma como se vestem. Eles se diferenciam na maneira pela qual se relacionam com a música. Existem cantores que ao primeiro contato com uma canção, têm quase toda a sua atenção voltada à melodia, à harmonia, ao ritmo, ao contorno musical. Não é raro verbalizarem que aprendem as melodias com muito mais rapidez do que aprendem as letras das canções. Eles se encantam com os padrões e frases musicais. É como se ficassem enlevados com a música. Atentam-se para a relação entre as notas, observam as texturas utilizadas nos arranjos, encantam-se com os instrumentos escolhidos. Depois da música devidamente aprendida, é que eles voltam sua atenção para o texto. Em geral são possuidores de boa afinação, boa memória musical e bom senso rítmico.

Existem aqueles cantores, que por sua vez, são quase que inteiramente "tomados" pela letra da canção. Comentam sobre as palavras escolhidas pelo letrista, sobre a sensibilidade do texto, sobre a adequação do tema. Aprendem rapidamente a letra. Em muitos destes cantores, observo imprecisões musicais, problemas de afinação e problemas de memória musical, entre outros.

Em "Alucinações Musicais", Oliver Sacks, mais uma vez de maneira criativa, investiga agora sobre o funcionamento do cérebro em relação à música. Em várias passagens do livro, pude refletir sobre fenômenos que observo nos cantores. Apesar de não tratar diretamente deste assunto, ao relatar casos que não fosse por ele não imaginaríamos que pudessem existir, não fica difícil constatar que pessoas diferentes fazem conexões diferentes entre os hemisférios e lobos cerebrais e por isso apreendem o mundo à sua maneira, tendo interesses diversos e assim performances distintas. Observo que existem cantores que são mais "músicos", existem cantores que são mais "atores" e existem aqueles que são ambos. O ideal é que o cantor busque "balancear" estes aspectos, fortalecendo aquele que estiver mais "fraco". Para isto, precisa entender de que maneira se relaciona com a canção: tende mais ao "tipo músico" ou ao "tipo ator"?

Então me pergunto: seria absurdo pensar que TA e CT também possam ter importâncias diferentes, já que observo usos distintos dos registros nas performances destes cantores?

É como se "cantores atores", que "falam", "gritam" e "choram" as letras das músicas, preferissem mesmo sem se dar conta, o uso do registro de peito (TA) como o dominante para a expressão da mensagem existente no texto ao passo que os "cantores músicos", parecem possuir um cuidado maior na administração dos registros (TA, CT, e a combinação de ambos em toda a tessitura), praticamente utilizando a voz como se fosse um instrumento musical melódico e parecendo muitas vezes ter dificuldades na conexão efetiva com a emoção trazida pelas palavras da canção. Talvez, por perceberem o quanto esta emoção pode desestabilizar os aspectos musicais que tanto prezam. Isto de fato acontece ou é uma observação equivocada?

Fica aqui um assunto para estudo, se é que já não existe algum Oliver Sacks desvendando os mistérios do canto e da canção e sua relação com o cérebro.


Beth Amin
Professora do CECEV


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